Junto envio um artigo (interessante) colocado em http://dn.sapo.pt/2005/10/27/opiniao/saudades_brasil_portugal.html
"grande Vinícius de Morais fez um fado, que Amália também interpretava, de homenagem a Portugal e à fraternidade luso-
-brasileira, chamado Saudades do Brasil em Portugal. Amália e Vinícius sentiam de forma tocante esta proximidade na diferença entre Portugal e o Brasil, árvores de comuns raízes no bom e no ruim.
Já aqui escrevi uma vez sobre a necessidade de melhor entendermos as diferenças que o tempo construiu. E de caminharmos na aproximação que os novos tempos estão tecendo a onda de imigrantes brasileiros em Portugal, invertendo a relação tradicional nesta área (já não são os emigrantes pobres de Portugal que vão, são os imigrantes pobres do Brasil que vêm); os investimentos portugueses no Brasil (as empresas portuguesas criam já cem mil postos de trabalho); os investimentos e as parcerias de empresas brasileiras em Portugal; um conhecimento da realidade actual portuguesa, que os imigrantes brasileiros levam para o seu país; uma redescoberta do Brasil pelos emigrantes qualificados e pelo crescente número de turistas portugueses no país irmão.
Mas há, de facto (minoritariamente, eu sei), na sociedade brasileira, ainda um indisfarçado rancor contra Portugal - o colonizador. Fiquei abismado, há algum tempo, quando o ex-arcebispo de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, em entrevista a O Globo, justificava os problemas do Brasil e, nomeadamente, a corrupção. Transcrevo na íntegra, por fidelidade (e espanto) "Esses erros (da história recente) foram cometidos a partir dos portugueses, que descobriram o Brasil e mandaram para cá a escória da sociedade, os menos preparados, os menos desejados em Portugal. Essa foi a primeira coisa. A segunda foi dividir o Brasil em grandes propriedades, as capitanias hereditárias. (...) Portanto, acho que Portugal tem tanta culpa como o Brasil e os brasileiros daquele tempo, embora o Brasil seja o país mais habitável da terra, o país mais amigo, que melhor recebe as pessoas que vêm de fora" (esta parte, parece, já não é da responsabilidade dos portugueses, segundo D. Paulo Arns).
Esta não é a opinião de um qualquer brasileiro. Mas é, claramente, a de um brasileiro que pouco entende da História do seu próprio país, que pouco sabe do que foi a colonização em todo o mundo e do relevante papel que tiveram as capitanias (que D. Paulo critica) na afirmação do território brasileiro - para não falar da importância da aliança luso-britânica para derrotar os apetites das outras potências coloniais do tempo, que queriam penetrar e esquartejar o território e do modo como os portugueses conseguiram o milagre (ao contrário, p.e., dos espanhóis na América Latina) de manter uno e alargar o espaço brasileiro. Justificar a corrupção actual no Brasil com a colonização portuguesa de há 500 anos é obra!
Este mês ainda, a revista Carta Capital publicava um artigo de Miguel Sanches Neto, sob o título "Brasil recolonizado". Por quem, desta vez? Pois pelos novos escritores portugueses, que não deveriam estar nas prateleiras das livrarias! O artigo mereceu uma enérgica e elegante resposta do embaixador português, Francisco Seixas da Costa, o qual confessava a sua surpresa pela opinião de Neto - "uma aberta apologia do proteccionismo linguístico, do fechamento da fronteira cultural do Brasil à nova literatura portuguesa, tida por poluente veículo de uma estética convencional".
Seixas da Costa, frisando quanto a excepção de Sanches Neto não confirma a regra, salientava quanto uma minoria espreita ainda "pelas esquinas do preconceito", ao tentar fazer do Brasil e de Portugal "dois países separados por uma língua comum". Seixas da Costa lembrava, ao articulista tido por progressista, o seguinte "Na minha juventude em Portugal, a ditadura não se atrevia a privar-nos de Amado, Guimarães Rosa ou Veríssimo, a afastar-nos da Pasárgada da esperança acenada por Bandeira". E ainda: "Se alguém hoje ousasse por lá dizer que Nélida Piñon, Ferreira Goullar, Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca, João Ubaldo Ribeiro ou o outro Veríssimo afectavam a estética literária caseira teria, como resposta, uma gargalhada do tamanho do Atlântico."
Do Atlântico do fado de Vinícius ou do Tanto Mar de Chico Buarque, acrescento eu. Porque sei que o Brasil real não é o do de intelectuais ditos progressistas, que adorariam ser americanos e que querem que a democracia faça o que nem a ditadura ousou fazer. É caso para escrever saudades do Brasil (que eu conheço) em Portugal."