11/04/2005

Ainda Sobre o Suposto Neo-Colonialismo Literário Português no Brasil

A respeito -ainda- da brilhante resposta que o Embaixador de Portugal no Brasil dirigiu à revista CartaCapital aos preconceitos que certas "elites" Brasileiras têm a respeito de Portugal e da sua cultura, expressos por Miguel Sanches em "Brasil Recolonizado" edicão de 05 de outubro de 2005), aqui está o original do autor brasileiro para que o leitor possa julgar por si próprio:


"Na década de 80, José J. Veiga, apresentando o livro Memorial do Convento (Bertrand), de José Saramago, dizia que era preciso descobrir Portugal, percorrendo o caminho inverso de Pedro Álvares. Para o grande contista goiano, devíamos fazer deste romancista uma possessão ultramarina. E foi exatamente isso que acabou ocorrendo. Muito do renome do lusitano deve ser creditado à recepção que ele teve no Brasil. Desde Fernando Pessoa, descoberto pelos brasileiros nos anos 40, quando se deu o retorno da lírica convencional, nenhum escritor da terrinha tinha conseguido infiltrar-se de tal forma na corrente sangüínea da produção brasileira. Saramago propôs uma irmandade política entre Portugal e Brasil em seu romance Jangada de pedra (Cia das Letras), cuja metáfora é explícita: sua pátria desprende-se do continente europeu e vem aportar na costa brasileira. Era a defesa de uma adesão lusitana aos problemas sociais da América Latina, dentro da visão comunista do autor, que se queria longe do capitalismo da Europa rica, que se estabelece definitivamente com a implantação da moeda única – o Euro.

Foi a unificação simbólica dos dois países que projetou Saramago internacionalmente, rendendo-lhe o Prêmio Nobel de Literatura em 1998, o mesmo negado a Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Mello Neto.

Mas a força portuguesa que chegou até nós não foi a da luta pelos excluídos sociais. Portugal, subitamente enriquecida pelo capital estrangeiro, passou a ser uma nova potência colonizadora e suas empresas se estabeleceram aqui modificando o perfil de alguns setores de nossa economia, como o de supermercados e de telefonia, áreas em que os irmãos lusitanos são muito fortes, a ponto de interferirem decisivamente em nosso jogo eleitoral.

Como todo poder econômico impõe sempre sua cultura, esta presença de Portugal trouxe para o país uma enchente de escritores. Estamos vivendo hoje uma transferência da Corte Literária Portuguesa. Para rivalizar com Saramago, apareceu seu opositor mais destacado – António Lobo Antunes, lido por nós como uma espécie de vanguarda barroca por livros como O esplendor de Portugal ou Fado alexandrino. Passamos a cultuar o poeta Herberto Helder, tido como novidade por sua imaginação surrealista. E os portugueses mais importantes foram ocupando lugar nos catálogos de nossas editoras. Helder Macedo teve seus romances editados pela Record. Sophia de Mello Breyner Andersen ganhou uma antologia de poemas pela Cia das Letras. E os escritores portugueses passaram a ser notícia.

A fase em que nos encontramos hoje é a da onipresença desses autores, até daqueles que não são muito visíveis em seu habitat. Como está na moda a literatura feita por mulheres, o grande fenômeno nesta área foi Inês Pedrosa, principalmente pelo romance Faz-me faltas (Planeta) – um título difícil para ouvidos brasileiros. Ela vem sendo consumida com devoção, apesar de seu estilo derramado, avesso à tradição de amaciamento da língua literária e da síntese empreendida no Brasil a partir do Modernismo. Menos palavroso, mas também convencional, Miguel de Sousa Tavares, autor de Equador (Nova Fronteira), tem ocupado um lugar de destaque no meio editorial. E a sensação do momento é o jovem poeta e ficcionista Gonçalo M. Tavares (O senhor Brecht, Casa da Palavra), apontado como grande revelação por seus livros igualmente abundantes em palavras e bossas juvenis. Ele é o mais prolífico autor de uma geração que está na casa dos 30.

Um detalhe que não pode ser esquecido é que alguns destes livros vêm com o patrocínio do Ministério da Cultura de Portugal, que assim subsidia a exportação de autores para o Brasil, consolidando uma presença cultural onde o país já tem uma forte participação econômica e política. Estamos de uma certa forma sofrendo um processo de recolonização, o que corrige o descaso com que tratamos os portugueses no último século, mas também cria algumas distorções, pois pode nos tirar de nosso caminho.

Para o professor e tradutor espanhol Basilio Losada, a grandeza da literatura brasileira vem da origem popular de nossos escritores ou de uma sensibilidade para recuperar um universo ainda rústico por meio de uma língua em mutação. Segundo ele, a grande literatura não sairá mais da Europa, onde ocorreu uma estandardização cultural, mas dos países em que a pluralidade gera conflitos no interior da língua e na percepção da realidade.

Esta tese é corretíssima, pois as grandes obras modernas se valem de uma língua vivenciada em situações cotidianas. A afirmação de Losada pode ser vista nos maiores escritores brasileiros do século XX: de um Mario de Andrade a um recente Ferreira Gullar, todos foram sensíveis à cultura popular, às experiências pessoais no interior de classes sociais ou de espaços periféricos. A força de nossa cultura está ligada a um uso da língua e do imaginário com raízes na experiência deformadora de nossa realidade presa a tempos antagônicos.

A experiência de temporalidade no Brasil não é homogênea, e foi esta percepção que deu origem a uma arte modernista que abusou dos descompassos históricos do país. Ainda hoje, temos comunidades vivendo na era primitiva, na colonial, embora o mundo contemporâneo seja cibernético. O convívio com estas disparidades é que enriquece nossa produção, nascida não só da mescla de raças, mas também de tempos.

Em “Horror ao ideal e outros comentários”, o poeta modernista Dante Milano defendeu a condição atípica de nossa língua: “o que é esplendor em outros idiomas, no nosso é artifício ridículo. A índole de nossa língua é a simplicidade, a pureza, a frescura, e uma pobreza humilde e casta [...]. Língua sublimemente popular, que não se adapta à fraseologia culta e artificial. A nossa língua tem raízes no chão e nos chama à realidade”. Foi esta realidade maior do que as instituições padronizadoras que deu grandeza universal aos grandes nomes de nossa literatura moderna, que se afastaram de um discurso lusitano pomposo e um tanto oco. Nós investimos na expressividade do idioma aberto à contribuição milionária de todos os erros (Oswald de Andrade), enquanto em Portugal a língua se fixou nas convenções cultas.

O autor que mais mexeu na língua, testando sua elasticidade expressional, Guimarães Rosa, explicava para o crítico alemão Günter Lorenz, em 1965: “Nosso português-brasileiro é uma língua mais rica, inclusive metafisicamente, que o Português falado na Europa. E tem a vantagem de que seu desenvolvimento ainda não se deteve; ainda não está saturado [...]. Como brasileiro, tenho uma escala de expressões mais vasta do que os portugueses, obrigados a pensar utilizando uma língua saturada”. Logo, contra o lugar-comum, o idioma é justamente o que nos separa de Portugal, pois se a matriz é a mesma, a índole é totalmente diversa.

Em meados dos anos 90, em uma Bienal do Livro de São Paulo, o crítico Eduardo Lourenço reclamava da influência negativa das telenovelas brasileiras nos hábitos lingüísticos lusos. O que se vive agora, no meio cultural brasileiro, é um processo inverso, são os autores portugueses influenciando a literatura brasileira, afastando-nos de um caminho criativo, próximo da língua falada, para colocar em destaque um código saturado.

Quem escreve este artigo organizou sua biblioteca em dois grandes setores – autores de língua portuguesa e autores estrangeiros. Para ele, os portugueses, moçambicanos angolanos e outros falantes da língua não são estrangeiros, mas cada um guarda individualidades. O papel de cada país é não se render a nenhuma força colonizadora. O moçambicano Albino Magaia tem um poema antológico: “Descolonizamos o Land-Rover”, destacando o uso solidário do veículo que representa a ideologia capitalista.

Foi exatamente isso que a tradição moderna de nossa literatura fez: descolonizamos o português. E este movimento deu nossa identidade, avessa, como afirmou Dante Milano, à fraseologia culta e artificial, marca de grande parte dos novos escritores portugueses."

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Olá! Li todos estes textos! Em Portugal o meu conhecimento sobre qualquer realidade brasileira vinha das novelas e dos livros, e de uma pseudo india amozonica que vive com o meu pai, apesar de o pais estar invadido de brasileiros. No entanto nunca o meu discurso foi tão influenciado pelo expressionismo brasileiro como por cá na Finländia, uma vez que, inevitávelmente estou mais em contacto com eles do que com portugueses, e quase já me convenciam que eu é que falo mal ou 'isquêsito'. Conclusão, o texto deste gajo é um rol de palavreado sem fundamento só para mostrar afinal a sua supremacia sobre os demais iliterados na proficiência das diversas variantes do português. Pelo caso citado da crítica de Eduardo Lourenco também por aí ja sabia que é preciso muito mais que livros ou novelas para modificar os hábitos linguisticos e culturais da sociedade. Tenho aprendido cá que é o contacto próximo diario com outra língua falada e escrita que pode efectivamente alterar o modo como falamos adquirindo novas expressões e vocabulario tal como acontece com a giria. Há menos resistência também quando se está em minoria....
Ainda assim não suporto ou tolero bem um 'Roberto Leal!!' Arghhhh. ahahaha!!

Bem a verdade é que uma Língua é como um organismo mutável, com vida própria que naturalmente não é constante nem fechada ao ambiente exterior, como se fosse somente um conjunto de codigos fixos e impermeaveis.
Se assim não fosse ainda falavamos todos em Latim...

11/06/2005 08:25:00 da tarde  

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